terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Um gostinho de Londres


Londres

Houses of Parliament 



Há algumas semanas, uma amiga me perguntou onde no meu blog ela poderia achar informações sobre Londres. Me dei conta que preciso urgentemente visitar novamente aquela cidade maravilhosa! Minha sugestão foi que ela própria tomasse nota das novidades e escrevesse um relato. Segue abaixo seu diário: 

 “Ficamos sem ir a Londres desde 2003. Um verdadeiro absurdo, porque há muito tempo batemos ponto anualmente em Paris por motivos afetivos e profissionais, e não sei por que demoramos tanto a tomar a decisão de dar uma passadinha em Londres na ida ou na volta de Paris. De fato, quando pensamos em Londres pesa o fato de ser uma cidade grande demais, muito cara e de certa maneira, difícil de passear, além da mão inglesa exigir atenção e o acento britânico ser, mesmo para nós que somos fluentes em inglês, um desafio aos ouvidos! Desta vez decidimos - nem que seja apenas para un petit goût de Londres, como dizem os franceses. Então, estadia de 4 dias, curta, mas estimulante.

Uma boa dica é chegar a Londres via Amsterdam pela KLM. Aterrissa-se no London City Airport, pequeno, funcional e perto do centro, evitando a balburdia de Heathrow com suas longas filas de controle de imigração. No City Airport você desce caminhando na pista, lembrando os velhos tempos do aeroporto Santos Dumont. Um parêntese: KLM é bem legal, serviço super correto, os comfort seats da econômica são aceitáveis, o clima dos comissários é muito agradável e simpático. A passadinha no aeroporto de Amsterdam dá até para fazer umas comprinhas de especiarias holandesas – aquele biscoito wafer com caramelo típico stroopwafels e chocolate droste a preço de banana. 

Um lembrete importante ao chegar: não esquecer de comprar o Time Out para se informar de tudo o que se passa em Londres.

O hotel selecionado em virtude da localização (com apenas 4 dias teria que ser perto de algum centrinho, certo?) foi o Radisson Edwardian Hamphshire em Leicester Square (pronuncia-se Lester Square, eles comem um monte de letras!!!). Cotado como 5 estrelas, esperávamos mais do quarto standard. Roupa de cama boa, roupões impecáveis, mas o quarto pequeno e a iluminação deixando a desejar. O atendimento é excelente, todos são corteses e discretos como manda o figurino inglês. Fazem todas as reservas de restaurantes que você pedir.

Chegamos por volta das quatro horas da tarde e já havíamos reservado um restaurante para jantar pela internet, depois de minuciosa pesquisa via Zagat. Temos utilizado o sistema de booking open table que funciona perfeitamente.

A idéia era explorar uma gastronomia diferente da francesa e que não seja comum no Rio de Janeiro. Então, porque não começar pelos hindi ou paquis?? Uau, dá-lhe coragem para sentir pimenta na língua. Os chineses também estavam na nossa pauta.

Fomos ao Trishna na Blandford Street número 15 em W1U 3DG tel: +44 0207 935 56 24. A experiência foi interessante, recomendável, mas vale um alerta de solicitação de MENOS PIMENTA, ou seja, mild!!!! O ambiente é uma delicia, velas, rapazes e moças servindo as mesas com simpatia. Segundo o Zagat, o Thrishna está entre os 5 melhores indianos. 



Restaurante Trishna



Hunan é um chinês considerado um dos 5 melhores restaurantes de Londres segundo o Zagat. As reservas só podem ser feitas por telefone (+44 20 77305712) 51 Pimlico Road.


Restaurante Hunan

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

458 anos de São Paulo

Essa semana não poderíamos deixar de comemorar o aniversário da nossa cidade! Por isso preparamos um guia especial para nossos leitores.

Vista de São Paulo – centro

Cidade de incontáveis contrastes, São Paulo chega aos 458 anos nesse 25 de janeiro de 2012.

Como já escrevemos mais de um artigo sobre nossa querida cidade, selecionamos alguns links interessantes e curiosos que mostram as múltiplas faces, dessa metrópole de ritmo pulsante e que quase não para, cada um voltado para um assunto específico.

Auditório Ibirapuera

Para aqueles que querem conhecer os vários pontos turísticos da cidade, restaurantes, espetáculos, mapas, serviços, fotos, história, novidades, enfim quase todo tipo de informação a respeito de São Paulo, vale uma consulta aos links a seguir:

São Paulo Convention & Visitors Bureau

SP Bureau

IBGE Cidades @ São Paulo – SP

SP 360o

SP Mobile – site oficial de Turismo da Cidade de São Paulo

Fotos de São Paulo

São Paulo – Minha Cidade

SP São Paulo Metrópole

Falando em bicicleta, alem do link abaixo, saiu uma reportagem super interessante na revista da Gol do jornalista Denis Russo Burgierman:

“Para comemorar os 458 anos da metrópole, nosso repórter passou um fim de semana na região central e pedalou 80 quilômetros explorando suas ruas e atrações”.
Revista Gol nº 118 – janeiro 2012 - p.114

Ciclo Faixa de  Lazer

Being there: São Paulo

36 hours in São Paulo, Brazil




No site do Estadão em notícias sobre cidades achamos essas frases interessantes sobre São Paulo:

Você sabe que está em São Paulo quando ...

“Há mais exposições para ver do que seu tempo livre permite”.

“Enfrenta as quatro estações climáticas em um único dia e acha a coisa mais normal do mundo!”

“Até seu avião pega trânsito para estacionar no  aeroporto quando chega”.






Colaboradora: Virginia Figliolini Schreuders

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

As igrejas e templos mais bonitos de São Paulo

Hoje vamos dar uma grande volta pela cidade de São Paulo e conhecer as mais belas e antigas igrejas e templos das diversas religiões que convivem conosco.


I – Igreja da Ordem Terceira do Carmo
Na minha opinião é a mais bonita e uma das mais antigas de São Paulo. Foi construída em 1632 por um grupo de leigos, quase todos descendentes de bandeirantes. Além das paredes de taipa originais, a igreja mantém o altar em madeira do século 18 e imagens de Cristo do século 19, entre outras relíquias. O altar em estilo rococó é um dos mais bonitos da cidade. É tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Av. Rangel Pestana, 230
Brás
Tel: (11) 3242-8361


Igreja da Ordem 3º do Carmo Interior



Igreja da Ordem 3º do Carmo – Fachada


II – Igreja do Sagrado Coração de Jesus
Em estilo clássico-renascentista a Igreja do Sagrado Coração de Jesus está também entre as igrejas mais bonitas e antigas da cidade. Os painéis e afrescos são obra de uma artista de Florença, que curiosamente pediu à Igreja para manter seu nome no anonimato. 

A história do Santuário do Sagrado Coração de Jesus nos remete ao final do século 19 — 24 de junho de 1881 — dia da fundação da Capela do Sagrado Coração de Jesus, uma iniciativa dos Vicentinos. Em 1901 construíram o santuário contando com o apoio de figuras eminentes da época, como dona Veridiana Prado, o conde Prates e todo o povo paulistano. Nos anos 60 eram muito comum os casamentos realizados nessa linda igreja.




Igreja do Sagrado Coração de Jesus – vista externa


Igreja do Sagrado Coração de Jesus – interior


III – Mosteiro de São Bento
Construído em 1914, ainda hoje abriga monges enclausurados e também o Colégio de São Bento e a Faculdade de São Bento. O relógio que fica do lado de fora do mosteiro, uma preciosidade mecânica de fabricação alemã, foi durante o século 20 considerado o relógio mais preciso de São Paulo até o aparecimento dos relógios a cristal de quartzo.


Fachada do Mosteiro de São Bento


Interior do Mosteiro de São Bento


IV – Igreja de São Francisco
Ao lado do Convento de São Francisco, a construção de taipa de pilão é ladeada por outra igreja, a da Ordem Terceira de São Francisco, e pela Faculdade de Direito da USP. De 1644 é uma igreja bonita e simples, e uma das poucas construções em estilo autenticamente colonial. 

Os afrescos em seu interior representam cenas que contam a história dos padres franciscanos, mas o destaque fica com três valiosíssimas imagens portuguesas: da Virgem, de São Benedito e de São Francisco. Esta última é considerada a mais bela imagem de Santo existente nos conventos franciscanos do Brasil.

Largo São Francisco, 133 - Centro
Tel: (11) 3291-2400


Interior da Igreja de São Francisco

Fachada da Igreja de São Francisco

V – Igreja de Santo Antônio
Construída em 1592, está entre as igrejas mais antigas remanescentes no centro de São Paulo. Fica na Praça do Patriarca, próximo ao Viaduto do Chá. No século XVII abrigou a Ordem dos Franciscanos, e no século XVIII esteve subordinada à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos. Passou por diversas reformas e intervenções ao longo dos últimos quatro séculos, sobretudo em sua fachada, reinaugurada em 1919. 

O interior da Igreja conserva importantes testemunhos da arte feita em São Paulo no período colonial. Durante a restauração em 2005, descobriu-se no forro do altar-mor pinturas murais seiscentistas de alta qualidade técnica e artística, as mais antigas de que se tem notícia em São Paulo. Também o altar principal, de 1780, é um belo exemplar barroco. A igreja é tombada pelo poder público estadual (Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) desde 1970, em virtude de sua importância histórica, artística e arquitetônica.


Interior da Igreja de Santo Antônio


VI – Catedral da Sé
A primeira versão da catedral é de 1591, em terreno escolhido pelo cacique Tibiriçá, para o primeiro templo da cidade construído em taipa de pilão.
Em 1745 foi elevada à categoria de catedral. Em 1913 iniciou-se a construção da Catedral como é hoje, elaborada pelo alemão Maximilian Emil Hehl, e finalmente inaugurada em 25 de janeiro de 1954, na comemoração do 4º Centenário da Cidade de São Paulo, ainda sem as duas torres principais.

Praça da Sé
Centro
Tel: (11) 3107-6832


Fachada da Catedral da Sé


Interior da Catedral da Sé


VII – Igreja Nossa Senhora da Consolação
Fundada em 1799 foi logo reformada em 1840. O terreno pertencia à Dona Veridiana Prado. No início do século XX foi praticamente reconstruída. O projeto, em estilo neo-gótico, é também de autoria de Maximiliano Hehl. Tem uma torre altíssima, um altar-mor em carvalho, mármore e bronze trazido de Paris e obras de importantes pintores do começo do século XX. Das igrejas visitadas é a única que precisa de uma reforma, pois tem diversas infiltrações na abóboda principal e nas paredes laterais.

Rua da Consolação, 585
Centro
Tel: (11) 2256-5356


Fachada da Igreja Nossa Senhora da Consolação


Interior da Igreja Nossa Senhora da Consolação


Via Crucis da Igreja Nossa Senhora da Consolação


VIII – Igreja da Nossa Senhora da Boa Morte
Construída com taipa de pilão e adobe em estilo colonial, a Igreja Nossa Senhora da Boa Morte é de 1810. Ao longo do século XIX era parada obrigatória de escravos condenados à forca para pedir uma boa morte. Tombada pelos órgãos de proteção ao patrimônio municipal e estadual, a igreja foi fechada em 2005por apresentar estado avançado de deterioração e reaberta em 2009, depois de cuidadoso trabalho de restauro.

Rua Do Carmo, 202 


Fachada da Igreja da Nossa Senhora da Boa Morte


IX – Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos 
Foi construída gratuitamente por trabalhadores negros e consagrada em 1906, quando uma grande procissão, acompanhada por banda, trouxe as imagens da antiga igreja, que ficava no Largo do Rosário, atual Praça Antônio Prado para o Largo do Paissandu, onde está até hoje.

Largo do Paissandu
Centro
Tel: (11) 2223-3611


Fachada da Igreja do Rosário


X – Catedral Ortodoxa
A inauguração foi em janeiro de 1954, início das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo. É uma construção típica da arquitetura bizantina e foi inspirada na Basílica de Santa Sofia em Constantinopla, antiga capital do Império Bizantino, hoje Istambul. Internamente possui uma sucessão de janelas e arcos, criando um espaço de beleza e amplidão.

Rua Vergueiro, 1515
Tel: (11) 5579-3835


Interior da Catedral Ortodoxa


XI – Sinagoga Beth-El
Foi a primeira grande sinagoga da comunidade judaica da cidade de São Paulo. A Sinagoga Beth-El, com cinco andares, também foi inspirada em modelos bizantinos. É um projeto de 1929 do russo Samuel Roder, a convite de um grupo formado pelas famílias Klabin, Lafer, Segall e Feffer. Atualmente só abre nos principais feriados religiosos ou por agendamento.

Rua Martinho Prado, 128
Bela Vista


Fachada da Sinagoga Beth-El


XII – Templo Messiânico
Construído à margem da represa de Guarapiranga, em São Paulo, numa área de 327.500 metros quadrados, é conhecido como o Solo Sagrado. É considerado um dos maiores espaços para a contemplação da natureza e meditação existentes no Brasil.

Av. Prof Hermann Von Ihering, 6567
Parelheiros
Tel: (11) 5970-1000


Vista externa do Templo Messiânico


Vista geral do Templo Messiânico


XIII – Templo Budista Zu Lai 
Fica em Cotia, a cerca de 30 minutos de carro da zona sul e é o maior templo budista da América Latina. É um dentre os muitos templos do Monastério Fo Guang Shan espalhados pelo mundo. Seu objetivo é propagar os princípios desse Monastério, divulgando o Budismo e beneficiando a todos, através de quatro princípios: Educação, Cultura, Beneficência Social e Purificação Espiritual. 

Estrada Municipal Fernando Nobre, 1461
Cotia
Tel: (11) 4702–5230


Vista geral do Templo Budista Zu Lai


XIV – Mesquita Mohammad Mensageiro de Deus 
Também conhecida como a Mesquita do Brás, é o único templo xiita em São Paulo. 

Rua Elisa Witacker, 17
Brás
Tel: (11) 3311-0354


Mesquita Mohammad Mensageiro de Deus


XV – Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
Com sede em Salt Lake City, nos Estados Unidos, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias de São Paulo é conhecida como a Igreja Mórmon. Possui a maior biblioteca especializada em genealogia aberta ao público, oferecendo acesso a milhões de volumes de registros de nascimentos, casamentos, mortes e outros, também aqui no Brasil. 


Vista geral da Igreja de Jesus Cristo dos 
Santos dos Últimos Dias



Para finalizar uma frase de Santo Agostinho:

"O mundo é um livro, e aqueles que não viajam lêem somente uma página."





Colaboradora: Virginia Figliolini Schreuders


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O mito de Don Juan

Essa semana, para comemorar o ano novo, o artigo será um presente para os amantes de ópera e principalmente para meus colegas psicanalistas! Um amigo meu, entendidíssimo no assunto, me enviou essa preciosidade que dividirei com vocês. 


O texto analisa duas personagens da ópera Don Giovanni de Mozart e o mito desse legendário personagem de ficção, conquistador libertino, encenado por muitos autores desde o século XIV na Espanha e publicado nesse mesmo país, pela primeira vez no século XVII. 
A ópera de Mozart com libreto de Lorenzo da Ponte, apresentada pela primeira vez em Praga em 1787, parece ser a versão de maior relevância do personagem Don Juan desde então.


Juan e Elvira


Esse breve ensaio atende ao pedido de uma amiga Entre Tapas e é dedicado também às amigas 
que assistiram à montagem de Glyndebourne comigo 
e os amigos Finley e Pisaroni.


A oportunidade de registrar as impressões seguintes sobre Juan e Elvira, a partir do melodrama de Mozart e Lorenzo da Ponte, serve ao intento de fixar na memória traços marcantes dessas personagens, a partir dessa obra em particular. O mito de Don Juan precedeu a ambos os autores e cerca de dez óperas haviam sido apresentadas antes dessa versão. Mais de quinhentas obras registra Jürgen Wetheimer no seu ensaio sobre Don Juan e Barba-Azul, (Beck, München 1999) na literatura da Europa Moderna. A questão portanto excede o projeto da ópera e não se identifica com posteriores análises científicas, dispensando enquadramento rígido nas ciências sociais ou na psicologia da posteridade.


O predomínio de Juan e Elvira no libreto aponta para consistência temática. A vivência emblemática dos dois personagens chama a atenção para uma possível definição das naturezas masculina e feminina. Seria interessante verificar até que ponto a oposição temática entre ambos, transparente no enredo, pode ser interpretada como manifestação social ou biológica. O redator procurou evitar a semântica do amor, no entendimento de que essa palavra é de conceituação vaga e incerta e serve para metáforas de emprego aberto e demasiado amplo. Trata-se ainda de verificar como o antagonismo dramático transcorre no ambiente humano.


Antes da confrontação de Juan e Elvira no enredo supõe-se um entendimento mútuo que os tenha aproximado. O antagonismo que se seguiu, alimentado pelo descaso de Juan e pelo ressentimento de Elvira, mantém-se com o afeto exaltado dessa última que perdura e sobrevive à morte do personagem título.


A força intransitiva dos projetos de cada um revela em ambos uma natureza individualista e egocêntrica. A individualidade de Juan e Elvira é de tal modo determinante e excludente que impede e bloqueia o reconhecimento da individualidade do outro, que fosse um reconhecimento capaz de exercer ou aceitar qualquer influência externa. 


No comportamento de Juan a rejeição de suas parceiras passadas faz parte integrante de um processo de sedução e entrega. A rejeição talvez supere a atração. A união é fugaz. A desunião parece de regra. 


O sexo é o modo privilegiado de aproximação social para Juan, sem entrega ou participação afetivas, afetividade que se supõe excluída por Juan, mesmo durante o enlace físico ou suas circunstâncias. Que sua identidade biológica prevaleça sobre outros aspectos do comportamento humano parece evidente, na falta de contactos mais enriquecedores e diversificados, devido à persistência frenética de encontros eventuais e conquistas, um reflexo privilegiado de atributos próprios que não se notaria sem o desempenho de Juan para suplantar a identidade feminina, em favor do exercício de suas prerrogativas pessoais e indivisíveis.


Contudo, se prestarmos atenção, veremos que não é apenas Juan que é motivado por seus interesses próprios e exclusivistas. Elvira também é motivada por interesses exclusivos. Seu apego a Juan mantém-se constante, apesar de todas as provas cabais da falta de respeito e atenção por parte de Juan. A postura auto-referente de Elvira demonstra a mesma intransigência de Juan. Apesar de estar diante de um parceiro tão infiel e inconfiável, todas as manifestações de Elvira refletem um impenitente intuito de atração. Nem as revelações estatísticas de Leporello, nem o conhecimento do crime atroz cometido por Juan podem demover Elvira de seu projeto para ele, ou antes para si própria. Não se evidencia nenhum esforço de desligamento, compensação ou superação de sua atração por Juan. A motivação erótica, explícita em Juan e implícita em Elvira, pode estar determinando o exclusivismo da relação de ambos. 


Juan é um exemplar digno de nota por sua atuação fecunda junto às mulheres, não uma personalidade do intercâmbio social em que ocorrem as relações humanas. Pode-se deduzir que para ela, Elvira, contam apenas as qualidades de macho alfa aparentes em Juan, se for apropriada uma expressão emprestada a outras espécies, para realizar um projeto imaginário e preconcebido. 


O propósito de afirmação pessoal de ambos exige a aceitação e o reconhecimento de um parceiro exemplar para Elvira e de um sem número de parceiras para Juan, excluída in limine a submissão à parceira de turno, como merecedora de admiração ou simples compassividade, que pode passar por traço comum em relações afetivas mais vulgares.


O binômio homem-mulher desse antagonismo pode ser associado a traços vistos como próprios dos gêneros. Juan é homem de ação, despreocupado da vida interior e do exercício da afetividade, voltado apenas para o mundo exterior que deve aprová-lo como um príncipe do gênero. Seu comportamento sexual não é tampouco apresentado como decorrência de uma sensualidade flagrante ou exaltada. A rejeição sistemática em repetir relações com as mesmas parceiras - que devem ser seduzidas e abandonadas - elimina sistematicamente a expectativa de encontros renovados. Essa recusa de repetição causa alguma surpresa, pois pareceria desejável em vista de uma expectativa progressiva de feitos sexuais com uma parceira conhecida e confiante para um erotismo aprofundado. É sua distinção e independência do gênero feminino que o aprecia como exemplar viril. Nessa relação polarizada, estaria Elvira absorvendo todo o patrimônio emocional e interior conferido ao gênero feminino? Caberia repetir uma frase de complacência que muitos terão ouvido na informalidade? “Ele tem um fraco por mulher.”


O afastamento, como medida de prudência, ou razões menos claras, pode ser associado à prevenção dos riscos associados à afetividade, que incluem o controle e o sentimento de posse pelo parceiro. Não há indícios de abertura para afetos ou formação de laços e ligações, mais ou menos duráveis, muito menos de implantação na sociedade com formação de família, geração de filhos e aceitação de funções sociais e econômicas pré-estabelecidas.


Essa atitude de Juan encontra certamente antecedentes e símiles em padrões que se atribuem comumente ao comportamento masculino, como a pronta saciedade após o enlace. Porém, o que procuramos certificar é o desinteresse de Juan na companhia feminina, antes e depois da relação física. No processo de sedução e abandono parece contar sobretudo a certeza da superação de uma urgência biológica, quer seja imediata em causa própria ou associada a uma promoção de Juan no plano humano em que ele se projeta. 


Esse processo excede os limites previsíveis de satisfação ou desafogo imediato, com considerável margem de excessos; não sendo jamais um processo variável, aleatório ou circunstancial. O comportamento de Juan é premeditado e constante (alguém diria patológico, mas estamos em literatura e próximos da alegoria). O que parece interessar aos autores da ópera e constituir-se como objetivo do enredo é a ampliação sistemática do rol de conquistas. É eloquente o registo aritmético mantido por Leporello, interlocutor e intermediário privilegiado de Juan na vida social (“in Spagna 1003”). 


Esse comportamento assinala uma competição desenfreada e solitária para valorizar a identidade masculina de nosso herói. Masculinidade atestada pelo desempenho exclusivamente pessoal de Juan, como poderia haver sido, alternativamente, por feitos de alcance social como patrício, chefe de clã, comandante militar, líder político, entre outros. O desempenho de Juan merece reconhecimento em função da sua vitalidade biológica.


Voltando a Elvira, ela contrapõe ao descaso de Juan o apego e a exibição de seu afeto e seus sentimentos de mulher ressentida, sua frustração, sua sede de justiça diante da permanente e declarada expectativa na regeneração de Juan. Evidencia um propósito coerente e impenitente: recuperar a atenção de Juan.


Estariam Lorenzo da Ponte e Mozart imbuídos do desejo de caracterizar comportamentos diferenciados e típicos dos dois gêneros? É interessante assinalar um comentário de Wetheimer: “Devemos deduzir que uma apoteose do impulso sexual, juntamente com irredutíveis mecanismos de cópula, sejam mitos fundadores da modernidade européia? [...] a lenda de Don Juan situa-se no ponto de intercessão de uma controvérsia ideológica dos séculos XVII e XVIII com grande fervor. [...] trata-se de dois sistemas de valores inconciliáveis. Don Juan encarna um princípio de prazer fundado na violação, no ativismo e na repetição em série, enquanto a cultura burguesa com seus preceitos de prudência, virtude e pureza é representada pelas mulheres.


Sem prejuízo de avaliações mais criteriosas, parece portanto interessante indagar se as prerrogativas sexuais do homem e da mulher criam disposições e aptidões alinhadas com o comportamento de nossos atores. 


Se às prerrogativas de iniciativa atribuída ao homem e de expectativa indutora e sedutora, suposta na mulher, corresponder - na trilha de nossos personagens - um desapego masculino e uma constância feminina em laços e contratos que assegurem o sucesso das relações, encontramo-nos diante de um confronto trágico da espécie, sempre que falharem as formas de conciliação social e afetiva impostas pela tradição. Na falta de afeto mútuo ou contrato, os dois personagens permanecem isolados no papel irremissível de cada um. 


Surge aí um conflito com força capaz de encaminhar o fracasso pessoal de Juan e de Elvira e que levará ao alegórico e funesto desenlace por Juan, obra de um baluarte social fantasmagórico, conhecido pelo título prestigioso de Comendador, sem nome ou identidade própria. 


A nenhum dos dois está facultado encontrarem-se: não podem formar um casal. A intransigência de ambos é motivada por firme convicção pessoal que não abre espaço para que as suas carências naturais facilitem o intercâmbio e o apoio mútuo, antecipado que é entre amantes e amados. Essa afirmação pode parecer, com certeza, mais plausível para Juan do que para Elvira. Mas Elvira demonstra a mesma cega aptidão para ignorar a solidez do caráter de Juan. De todo modo, Mozart e da Ponte não alimentam junto aos espectadores nenhuma expectativa de conciliação. Os laivos de fatalismo que aí se encontram poderiam ser comparados com situações paralelas em outras obras, como Bodas de Fígaro e Cosi fan tutte, mas essa comparação não ocorrerá neste texto.


Da mesma forma para Juan, Elvira apresenta apenas o interesse de legitimar suas reivindicações de reconhecimento e identificação masculina. Ela chega a ser motivo de troça, quando Juan instrui Leporello a personificá-lo junto a ela.


Exemplos que se atraem na diferença entre os gêneros e se afastam depois de uma aproximação passageira que não pode preencher as lacunas de suas vocações individuais. Mais do que um caso único cada qual, o comportamento de ambos exemplifica o que seria uma tendência de os sexos satisfazerem-se a si próprios. O exemplo confirmaria, de modo flagrante, a afirmação feita por Ibn Arabi, há cerca de oitocentos anos no Tratado do amor, segundo a qual quem ama ama a si próprio. Teriam Juan e Elvira almas gêmeas, ainda que perversas, apesar dos pesares?


Para as leitoras críticas do personagem e os mais discretos apreciadores entre os varões, importa considerar que, já no final do século XVIII, Don Juan era um mito em extinção. Malgrado o interesse e o apreço dos maiores nomes da literatura européia no século XIX, ele tornou-se um testemunho de si próprio. Menos que seus congêneres Casanova, Rétif de la Bretonne, Luís XV, o Bom Rei, o Divino Marquês, entre outros, Juan permaneceu no inconsciente coletivo. A escultura na Praça dos Refinadores em Sevilha atesta em bronze que nunca houve homem algum que lhe chegasse aos pés. Quem sabe ele ilustrou o exemplo de Ibn Arabi que comparou o amor espiritual àquele do amante que quer satisfazer o amado. O amor natural seria aquele que procura satisfazer aos próprios desejos e seria predominante entre os homens no século XII de Ibn Arabi. Essa última definição empresta legitimidade a Don Juan.


O herdeiro e sucessor de Don Juan foi Barba-Azul, o assassino de mulheres. Paramos aqui, s.m.j.


2 de janeiro de 2012